quinta-feira, 3 de junho de 2010

O PAPEL DA PESQUISA NA FORMAÇÃO E NA PRÁTICA DOS PROFESSORES

Introdução

A concepção do professor como pesquisador, a possibilidade de que ele desenvolva a prática da pesquisa no trabalho docente, a preparação para essa prática são questões amplamente discutidas hoje pela comunidade acadêmica. Os debates em torno dessas e de outras idéias a elas correlatas têm se tornado cada vez mais intenso.
Existe um consenso entre os especialistas da área de educação de que a pesquisa é um elemento essencial na formação do docente. E nos últimos anos vem sendo defendida a idéia de que ela deve ser parte integrante do trabalho do professor, ou seja, de que ele deve se envolver em projetos de pesquisa-ação nas escolas ou salas de aula. No entanto, muitas questões vêm sendo formuladas quanto à forma de inserção da pesquisa na formação e na prática docente. Pergunta-se - como vem se processando a articulação entre ensino e pesquisa nas universidades e qual sua contribuição para a melhoria dos cursos de graduação? De que professor e de que pesquisa se está tratando quando se fala em professor pesquisador? Que condições tem o professor que atua nas escolas para fazer pesquisas? Que pesquisas vêm sendo produzidas? A obra busca dar subsídios para superar tanto uma visão romântica quanto uma crítica amarga sobre o potencial da pesquisa na formação e na prática docente.
A postura do professor no exercício da docência requer conhecimentos e habilidades específicas ao bom desempenho da função. Isso significa que uma atuação dessa natureza exigirá conhecimento sobre processos de ensino–aprendizagem, metodologia de ensino, metodologia de avaliação, objetivos e outros, sem contar as inúmeras situações marcadas pela complexidade em que o professor precisa aprender. As situações de ensino são, conforme assinala André, marcadas pela urgência e pela incerteza. Tem, portanto, suas especificidades, sua natureza, como bem lembraram a autora, axiológica e política. A pesquisa por sua vez, requer uma inteligibilidade própria sendo preciso que o professor produza conhecimentos a partir de bases teóricas já produzidas, de coleta e análise de dados, testes de hipóteses realizadas de forma sistemática e com o rigor próprio da ciência. Para essa tarefa o professor precisa de tempo e espaço, de bibliografia adequada e atualizada. Enfim, de condições necessárias para o cumprimento dessas tarefas. Além, é claro, do domínio dos procedimentos metodológicos fundamentais à elaboração e execução da pesquisa.

Desenvolvimento

A organização do livro “O Papel da Pesquisa na Formação e na Prática dos Professores”, surgiu como frutos de uma discussão sobre essa complexa relação, um projeto concretizado após um seminário realizado na Universidade Federal de Goiás, através de uma mesa redonda em que foram explicitadas várias concepões polêmicas e diferentes posições sobre essa complexa relação, principalmente no que diz respeito ao lugar que ocupa a pesquisa na formação e na prática docente.
No texto de Lucíola Santos percebe-se a argumentação sobre a estrutura do campo acadêmico no interior das universidades quanto às diferentes áreas d conhecimento e da sua interferência na integração entre ensino e pesquisa. A autora afirma que a formação do professor pesquisador possui diferentes concepções sobre a natureza e o papel d pesquisa educacional, por isso deve e pode ser contestada. Reconhece, no entanto, que a pesquisa no campo da formação docente coloca novas perspectivas e exige constantes questionamentos e a busca de soluções e criativas para os problemas levantados.
A motivação inicial para a investigação sobre o professor da escola básica e a pesquisa surgiu quando do desenvolvimento de uma pesquisa voltada para o processo de socialização profissional de professores por Menga Lüdke. Uma de suas constatações é a dificuldade diante de um conceito não consensual de pesquisa que por vezes ocasiona distorções que acabam limitando a própria concepção de pesquisa. Um exemplo disso reside na relação entre reflexão e pesquisa. A reflexão na e sobre a ação é uma estratégia que pode servir para os professores problematizarem, analisarem, criticarem e compreenderem suas práticas, produzindo significado e conhecimento que direcionam para o processo de transformação das práticas escolares. Todavia, reflexão não é sinônimo de pesquisa e o professor que reflete sobre a sua prática pode produzir conhecimento sem, necessariamente, ser um pesquisador. Quando ele avança, indo ainda além da reflexão, do ato de debruçar-se outra vez para entender o fenômeno, encurta a distância que o separa do trabalho de pesquisar, que apresenta, entretanto, outras exigências, entre as quais a análise à luz da teoria. Nesse contexto analisa a prática da pesquisa sobre o foco de três perguntas dirigidas aos professores dos cursos de licenciaturas: “A pesquisa é importante? A pesquisa é necessária? A pesquisa é possível?”.
Na concepção de Marli André (2001:60):
“Querer que o professor se torne um profissional investigador de sua prática exige que se pense nas exigências mínimas para sua efetivação, ou seja: é preciso que haja uma disposição pessoal do professor para investigar, um desejo de questionar; é preciso que ele tenha formação adequada para formular problemas, selecionar métodos e instrumentos de observação e de análise; que atue em um ambiente institucional favorável à constituição de grupos de estudo; que tenha oportunidade de receber assessoria técnico-pedagógica; que tenha tempo e disponha de espaço para fazer pesquisa; que tenha possibilidade de acesso a materiais, fontes de consulta e bibliografia especializada. Esperar que professores se tornem pesquisadores, sem oferecer as necessárias condições ambientais, materiais, institucionais implica por um lado, subestimar o peso das demandas do trabalho docente cotidiano e, por outro, os requisitos para um trabalho científico de qualidade”.
Ressalta-se ainda que a formação do professor pesquisador não se faz no imediatismo de pseudo-políticas-acadêmicas que visam, tão somente, mostrar quantitativos de trabalhos a organismos que monitoram a educação no ensino superior. Tampouco deve tentar camuflar deficiências presentes na instância da docência superior. E aqui outro cuidado se faz presente: ao tornar a pesquisa a “menina dos olhos da universidade”, freqüentemente negligencia-se a docência já que pesquisa proporciona mais mérito ao ensino superior. E, por fim, cumpre indagar: como articular o ensino e pesquisa na formação docente? No que se refere à formação docente, essa vinculação poderia se dá no momento em que docentes resolvem proceder a investigação da sua prática, ou seja, explicitar como ocorrem os processos de aprender a ensinar e de aprender a profissão, ou seja, de aprender a ser professor, de aprender o trabalho docente, são processos de longa duração e sem um estágio final estabelecido “a priori”.
Os estudos acerca da própria prática forçam uma reflexão sobre a mesma, advinda daí, a possibilidade de averiguar os pontos fortes e fracos presentes na atuação do professor. Afinal, o cotidiano de uma sala de aula é permeado por uma série de situações que muito bem podem ser pontos para investigação. Estas pesquisas realizadas à luz de um rigor científico podem ser levadas à sala de aula e discutidas com os estudantes podendo ser foco de incentivo à prática da pesquisa. Igualmente poder-se-ia instituir a pesquisa nos projetos de cursos nas disciplinas que integram a matriz curricular com o objetivo de desenvolver habilidades e atitudes de investigação nos futuros professores.
O sentido de se discutir a formação do professor tendo em vista o exercício da docência e da pesquisa articulados não deve de todo, esgotar nosso entendimento sobre o que é ser professor e o que é necessário para sua formação. A indagação sobre o que é ser professor deve estar latente na mente daqueles que tem na educação não apenas um ofício no sentido prático da expressão, sobretudo, revela-se na complexidade mesma desse exercício. Significa dizer que ser professor é perder-se na pluralidade das leituras do mundo repleto de relações interpessoais, intra e inter-grupais com as riquezas, experiências e aprendizagens que vão se construindo nessas relações. Nesse sentido não se separa do que é ser professor e o que é necessário para a sua formação das dimensões do saber, do saber fazer, saber ser e saber conviver.
Beillerot traz uma importância contribuição para as questões que envolvem uma reflexão sobre o que é pesquisa. Reproduziu um artigo para a revista francesa Recherche et Formation, em que discute a concepção de pesquisa, tendo como objetivo focalizar o papel desta na formação e na prática docentes. Nesse artigo aborda questões polêmics como: “Professor ou Pesquisador? Conhecimentos científicos ou práticos? Ensino ou pesquisa?”.
A autora Magda Soares, no capítulo dedicado ao tema “As pesquisas nas áreas específicas influenciando o curso de formação de professores”, situa o tema retratando as grandezas variáveis das quais se podem aproximar sucessivamente. Propõe uma reflexão sobre os termos: influência (= necessidade); pesquisas (= processo de produção do conhecimento); áreas específicas (= conteúdo do objeto de ensino formal da escola) exercer (= preceder o exercício do magistério e para o qual o habilita); formação (= aquisição e domínio do conteúdo que vai ensinar); professores (= dimensão do conteúdo a ensinar). Através destas reflexões podemos deduzir que a influência das pesquisas nas áreas de formação específica exerce predomínio sobre a formação dos professores.
Verbana Lisita, Dalva Rosa e Noêmia Lipovesky analisam o texto que se refere às relações entre formação de professores e pesquisa. Apresentam razões sobre a idéia de que se formem professores que pesquisem e que produzam conhecimentos objetivando o desenvolvimento das disposições e capacidades para uma prática refletida, tendo e vista superar a racionalidade técnica dominante na formação inicial e continuada de professores.
E, finalmente, Marília Miranda, analisa o tema “professor reflexivo/pesquisador, suscitando questões sobre as reações entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos práticos. Nesse sentido f uma crítica pesada ao elitismo da universidade. A preocupação da autora pauta-se na reforma educacional retirando dos ombros do professor toda a responsabilidade pelo seu insucesso.

Conclusão

A integração entre ensino e pesquisa na universidade representa um grande problema que deve ser superado para a melhoria dos cursos de graduação, hoje, tão duramente criticado dentro e fora das instituições de ensino superior. Sucessivas reformulações de currículos têm demonstrado que não são suficientes para resolver a problemática nesse nível de ensino. Essa integração só será possível quando o ensino for colocado como prioridade ao lado da pesquisa.
Da mesma forma deve se considerar os cursos de formação de professores tendo como ênfase as relações entre ensino e pesquisa, percebendo-se que formar professor-pesquisador tem limite e não é a única forma de formar profissionais competentes. Basear-se num trabalho voltado para a formação de um profissional capaz de reconhecer as relações existentes entre trabalho, políticas públicas na área educacional e as complexas relações existentes entre a sua atividade profissional e a realidade sócio-cultural na qual está inserido estará desenvolvendo uma atitude investigativa por parte do professor, utilizando de diferentes recursos e soluções para encontrar formas de responder aos desafios da prática, independentemente de se ter que atribuir o rótulo de “pesquisa” a esse tipo de atividade.


Referencial Bibliográfico

ANDRÉ, Marli (org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores.
Campinas, SP: Papirus, 2001.

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